A PEDAGOGIA DE JESUS
Sobre o SALVADOR
E lhe porás o nome de yaohushuá (Yeshua, Iesu, Jesus) (Mt.1:21);
ISAIAS - IESHAIÁHU 53: 3 e 4
3 Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso.
4 Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido.
I – INTRODUÇÃO
Nos relatos sobre o ministério de Jesus, não nos é possível demarcar uma
separação nítida entre pregação e ensino, tão entrelaçados que um não pode ser
totalmente separado do outro.
Marcos, constantemente descreve Jesus ensinando: Mc.4:1-2; 6:2; 8:31;
9:31; 12:35. Para as multidões que se amontoavam ao redor de Jesus, Ele era
mais um mestre do que um profeta. Ele era constantemente chamado
"Mestre" ou "rabino" porque seu ensino tinha em si uma
autoridade e um poder tal que o diferenciava claramente dos rabinos da época.
Depois da ressurreição, os discípulos e apóstolos foram igualmente
pregadores e mestres ( Mt. 28: 19-20; Mc.16:15; At. 5:42 ). Isto
evidentemente significa que para os homens que conheciam Jesus pessoalmente, o
ensinar e o pregar não eram idênticos, mas interdependentes, ao ponto de um não
ser superior ao outro.
Paulo, considerando Jesus a essência da mensagem, também utilizava todos os
meios possíveis de comunicação para transmitir suas idéias. Ele pregava e
ensinava em todas as igrejas por onde passava.
Assim, constatamos que pregação e ensino fazem parte essencial do ministério
de Jesus, da Igreja primitiva e da Igreja dos nossos dias.
Jesus tem consciência de que sua prática é a culminância da história do povo
de Israel. Essa consciência é precisamente sua consciência messiânica de ser o
revelador pleno e último da vontade do Pai e a vitória definitiva de seu Reino.
Esta perspectiva histórica permite que Jesus viva, na encruzilhada das
contradições, o tempo do presente singular, tempo do companheirismo, da amizade
e da solidariedade horizontal, onde se manifestam a fé, a esperança, o amor e a
misericórdia. Jesus toma uma posição radical que lhe vale a morte de cruz,
aceita com a coerência que sua prática determina.
Vamos focalizar nosso olhar sobre o cotidiano de Jesus, seus gestos e sua
prática pedagógica em seus contatos criadores da vida e da esperança.
II – FUNDAMENTOS DA PEDAGOGIA DE JESUS
II.1- A prática
Jesus fez uma clara opção pela prática em relação ao discurso e à fala. Este
dado tem enorme relevância para os obreiros cristãos que costumam eleger a fala
como principal instrumento de ensino.
Tomamos o Sermão da Montanha, onde Jesus inicia o ensino centrado no
discurso ( Mt. 5, 6 e 7:1-23 ). O desfecho do sermão é onde Jesus
privilegia a prática (Mt.7:24-27 ). Ele não apenas recomenda a prática
de seus ensinos como também põe em prática, à vista de todos, a sua graça e sua
misericórdia. Vemos isto através das curas que realizou:
- Mt. 8:1-4 ........ A cura de um leproso.
- Mt. 8:5-13 ........ A cura do criado de um centurião.
- Mt. 8:14-15 ........ A cura da sogra de Pedro, etc...
Com a prática das curas Jesus devolve a dignidade aos pobres, aos
marginalizados ( mulher adúltera, leprosos ) e outras categorias oprimidas pelo
sistema social daquela época.
Com a prática das curas Ele restaura a saúde física, mental e espiritual do
povo: deficientes (cego, mudo, surdo, paralítico), enfermos (febre, hemorragia,
mão ressequida, lepra, etc.) e endemoninhados.
O Reino não chega apenas através da palavra falada, ou por adesão
exclusivamente intelectual, emocional, espiritual e moral. O Reino de Deus
surge através da prática da misericórdia de Jesus. Por isso, a multidão à qual
Ele devolveu a dignidade e a esperança reconhece nEle o Messias.
João Batista, preso, tem dúvida a respeito da messianidade de Jesus e lhe
envia mensageiros ( Mt. 11:2-6 ). A resposta de Jesus não se traduz
propriamente em discurso, Ele manda que os mensageiros voltem e anunciem a João
o que estão vendo e ouvindo, ou seja a comprovação de sua prática.
As parábolas de Jesus, veículo fundamental para seu ensino, se inspiram nas
mais variadas práticas da vida cotidiana:
- Mt. 13:4-8........A parábola do semeador.
- Mt. 13:24-30........ A parábola do joio e do trigo.
- Mt. 13:33........ A parábola do fermento.
- Mt. 13:44....... A parábola do tesouro escondido.
- Mt. 13:45........ A parábola da pérola.
- Mt.18:10-14.......A parábola da ovelha perdida, etc....
Na verdade, todo o discurso de Jesus é, antes de tudo a explicitação de sua
prática. Ele é coerente porque sua prática é o ponto de partida de seu
discurso. Esta é uma das razões pelas quais Ele foi rejeitado. A liderança
dominadora não conhecia a pedagogia da misericórdia, aquela que, diante dos
abandonados e sofridos, começa com atos libertadores.
A prática pedagógica de Jesus exige que a sociedade humana seja colocado ao
avesso. Ela só tem sentido na lógica do Reino. Não basta que uma pedagogia se
concentre na prática para que venha a merecer o qualificativo de cristã. Para
ser cristã é fundamental que esta pedagogia esteja comprometida com os valores
do Reino.
II.2 - Os resultados
O segredo para se obter bons resultados é praticar as palavras de Jesus,
pois seu ensino não é para experiência do coração, nem para a edificação da
razão. Seu ensino exige, em primeira instância, uma prática que seja anúncio
das bem-aventuranças do Reino e que se organiza dentro de sua lógica.
Em diversas passagens bíblicas vemos que Jesus dava importância fundamental
aos resultados, aos frutos advindos da prática de suas palavras:
- Mt. 5:13........ O sal vale pelos resultados objetivos; se ele não dá resultado onde é colocado, para nada mais presta.
- Mt. 5:14-16........ A luz igualmente deve produzir o efeito para o qual ela foi criada, ou seja, iluminar.
- Mt. 7:15-20........ Jesus nos dá um critério de valor para avaliar o resultado de uma prática.
- Mt. 5:44; 6:3-4,12 e 18:23-25........ Para Jesus a bondade é resultado de um coração misericordioso, que pode se abrir ao perdão, à compaixão, à solidariedade, etc.
- Mt. 8:5-13........O capitão do exército romano demonstrou a prática da misericórdia por seu servo, e Jesus vendo este resultado acolheu o seu pedido.
- Mt. 9:10-13........Jesus afirma que quer ver o resultado da prática da misericórdia.
- Mt. 13:4-8; 25:20-21........ As parábolas do semeador e dos talentos anunciam que a boa nova do Reino se comprova pelos resultados.
Aqui, é preciso destacar que Jesus só valorizava os resultados de ações
motivadas pela misericórdia. Os resultados de uma prática que visa a promoção
pessoal, o status, a vaidade, o auto-engrandecimento, o atendimento de
interesses pessoais ou de grupos, a manipulação do semelhante, certamente não
são inspirados na lógica do Reino. Jesus claramente condena tudo isto (
Mt.6:1-8 ).
Jesus rejeita a religiosidade sem frutos de misericórdia ( Mt. 25:44-45
). Não pode haver ausência de frutos concretos de misericórdia na vida do
cristão. São os resultados concretos que definem a que Senhor estamos servindo.
Será que os resultados que estamos produzindo no ensino evangélico são
frutos da verdadeira misericórdia cristã? Estes resultados obtidos refletem a
que Senhor estamos servindo?...
II.3 - A pessoa como centro
A pedagogia de Jesus é centrada na pessoa, o bem maior do Reino de Deus:
- Mc. 2:17........ Jesus destaca a importância do homem diante da criação.
- Mt. 4:18-22; 8:5-13; 15:1-3; 19:16-22, etc........ o ensino de Jesus se estabelece a partir do diálogo. Este envolve palavras, que por sua vez envolve ação, para não se transformar em discurso vazio. A palavra no diálogo compromete quem fala e a quem se fala. O diálogo é conscientizador, através dele ocorre a reflexão-ação para a mudança. Ele enriquece o conhecimento e valoriza a relação eu-tu.
- Jo. 15:13-15........ Jesus trata as pessoas de maneira carinhosa.
- Mt. 18:10-14........ A parábola da ovelha perdida retrata, melhor que qualquer outro episódio, a dimensão absoluta da pessoa, singular para Jesus.
- Mt. 25:40........ O valor da pessoa se destaca pelo termo "pequeninos", porque dentro do sistema social vigente naquela época eles não tinham o mínimo valor e reconhecimento. Se eles forem valorizados, toda a sociedade já estará salva. A ausência de valor os punha em uma situação tão deplorável que é com eles que Jesus se identifica. Só os misericordiosos entendem esta lógica.
- Lc. 20:35-36; Jo. 1:12-13........ É no contexto da família de Deus que uma pessoa pode ter seu valor maior.
Tendo a pessoa como centro de sua preocupação, também vemos a valorização
inquestionável da criança, grupo marginalizado e desvalorizado naquela época: Mt.
18:1-6; 19:13-15.
Também vemos na prática do Divino Mestre a valorização da mulher. No
contexto da sociedade de então, a mulher casada, depois que o marido se
cansasse dela, podia ser repudiada. Jesus entende que a valorização da mulher
passa pela absoluta valorização do amor-comunhão (Mt. 5:27-31; 19:3-9).
A posição de Jesus que radicaliza a unidade indissolúvel do casal, se prende à
sua compaixão pelos oprimidos. Com seu ensino Ele devolve a dignidade à mulher.
Outro episódio importante na questão da valorização humana é a cura dos
leprosos. Eles eram afastados do convívio social, condenados a perambular em
pequenos grupos fora dos limites da cidade. Jesus não aceita esta condição de
vida dos leprosos e se relaciona com eles misericordiosamente, fazendo o que
era possível para reintegrá-los à humanidade. Ele os tocava ( Mt.8:1-3 )
e com seu gesto repudiava o abandono a que eram condenados. A cura dos
endemoninhados gadarenos ( Mt. 8:28-34 ) tem o mesmo sentido.
Não só a pessoa recebe nova valorização, mas também a vida cotidiana ganha
nova dignidade:
- Mt. 6:11....... O pão está entre os direitos da vida, pois ele é pedido ao Pai, na oração que Cristo ensinou, A dignidade da vida inclui, para Jesus, a simples amizade-fraternidade que cresce em torno do pão.
- Mt. 8:11; 26:29........ A plenitude do Reino é, repetidas vezes, comparada a uma ceia. Estes traços históricos indicam que a prática de Jesus valorizava a comunhão fraterna que se desenvolve em volta da mesa. Pela amizade, pela fraternidade da mesa e pelo partir diário do pão, no contexto maior do Reino, o convívio humano passa a ser um bem em si, sem outro objetivo além do prazer da fraternidade. Comer à mesa e cultivar a amizade cotidiana é expressão de pura compaixão humana.
Tais episódios nos ajudam a enxergar na prática de Jesus sua compreensão da
importância da vida cotidiana abundante, plena, como indicação da inauguração
do Reino de Deus.
A consideração da pessoa humana como valor absoluto e o convite à
antecipação do banquete do Reino no partir diário do pão, na fraternidade e na
comunhão da verdadeira amizade entre irmãos e companheiros, de alguma forma
eleva a dignidade do cotidiano humano.
A pedagogia de Jesus acontece dentro de uma perspectiva clara direcionada à
implantação plena do Reino. E esta perspectiva se opõe radicalmente à lógica da
dominação. Daí seu grande comprometimento com os desfavorecidos na sociedade.
Se queremos praticar a pedagogia de Cristo não podemos perder de vista esta
perspectiva.
II.4 - A simplicidade
Se queremos adotar a pedagogia do Mestre em nossas igrejas e instituições
paralelas devemos estudar as lições de Cristo, Seu caráter e Suas práticas.
Precisamos nos libertar do formalismo e da tradição e apreciar a originalidade,
a autoridade, a espiritualidade, a bondade, a humildade, a benevolência e o
poder do Seu ensino.
Jesus é simples, humilde, não há em Sua instrução nada vago ou difícil de
ser entendido. Ele falava e agia com clareza e ênfase, com força solene e
convincente:
- Jesus não tinha um púlpito, ou uma escola. Ele ensinava, pregava e curava junto ao mar (Mt. 4:18); nas sinagogas (Mt. 4:23); no monte (Mt. 5:1); nas casas (Mt. 8:14); cidades e povoados (Mt. 9:35); no campo (Mt. 14:13 e19); no caminho (Mt. 20:17 e 29-30); no templo (Mt. 21:12,14), etc.
- Seu ensino é ancorado em situações comuns do dia-a-dia das pessoas: o sal, a luz, o relacionamento senhor X servo, as aves do céu, os lírios do campo, o comer, o vestir, a porta estreita e a porta espaçosa, a seara, o trabalho, a semeadura, o pastoreio, a árvore e seus frutos, etc...
- Ele não escolheu sábios, nobres ou ricos para seus discípulos, mas convidou rudes pescadores, consertadores de redes, um coletor de impostos, etc. (Mt.4:18-22; 9:9); sentou-se à mesa com publicanos e pecadores (Mt.9:10).
- Jesus estabelece um contato muito próximo e íntimo com as pessoas, estava sempre no meio do povo, multidões o acompanhavam, Ele tocava as pessoas, fez questão de impor as mãos sobre as crianças, etc. (Mt. 5:1; 19:13-15 ).
- As ações e propostas de Jesus são de uma simplicidade cristalina. Veja a solução que Jesus deu ao problema surgido nas bodas em Caná da Galiléia (Jo.2:5-7). E também a multiplicação dos pães (Mt.14:17-l8), a parábola da dracma perdida (Lc.15:8) etc.
III - CONCLUSÃO
Precisamos considerar seriamente a Pedagogia de Jesus, porque nós como
Igreja temos uma vocação divina: lutar pelo estabelecimento do Reino de Deus e
anunciar a mensagem de salvação para o homem, que é o próprio Cristo. Esta é a
razão primária da existência da Igreja e por isto mesmo toda a sua atividade de
pregação e ensino, tem que perseguir este objetivo com obstinação.
Num processo de pregação e ensino em que se privilegia a prática, os
resultados concretos desta prática, a pessoa como centro e a simplicidade, a
tarefa educacional da Igreja se amplia e estimula os homens a crescerem juntos,
na busca do conhecimento, da reflexão e da ação que leva a transformações.
Afinal, foi Ele mesmo que disse: "Aprendei de mim." (Mt.11:29)
e "Sêde vós perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celeste."
(Mt.5:48)
BIBLIOGRAFIA
- "Bíblia Sagrada", trad. João Ferreira de Almeida, Sociedade Bíblica do Brasil.
- "Conselhos sobre Educação", Ellen G. White, Casa Publicadora Brasileira.
- "El Ministério Docente de la Iglesia", James D. Smart, Methopress.
- "A prática pedagógica de Jesus", Ely Eser Barreto César, Ed. Agentes da Missão. (Coleção Dons e Ministérios, vol.8).
- "Pedagogia do Oprimido", Paulo Freire, Ed. Paz e Terra.
- Revistas "Voz Missionária", 2o trimestre/1989 e 3o trimestre/1994, Imprensa da Fé.
- Monografia "O Desafio do Adolescente à Missão de Deus através do Ensino na Escola Dominical", Pastora Marisa de Freitas Ferreira Coutinho, Fac. Teologia da Igreja Metodista.
- Apostila "Educar para Cristo", Marianna Allen Peterson, Instituto Metodista de Ensino Superior.
Em
04/09/97 - Cristina Oliveira Vasconcelos.