Paulo Moreira Leite: Condenado sem
domínio nem fato
Por Maria Frô
Ontem
o leitor Gerson Carneiro comentou sobre a condenação de José Dirceu: “Só queria
lembrar que Nelson Mandela ficou 27 anos na prisão”.
Ontem
li a ala reacionária das redes sociais fazendo contas que anulavam
politicamente José Dirceu até 2031 e desejando que até lá ele morresse. E é exatamente disso que se trata este julgamento: um
julgamento partidário para anular politicamente uma liderança e se possível o
seu partido político.
Com
o passar do tempo, sem tanta passionalidade, as pessoas normais que tiverem acesso ao processo do julgamento da AP470 vão se impressionar como a Corte
Suprema pôde ser tão partidária e não se incomodar em sê-lo.
As
pessoas se surpreenderão como juízes podem ter dormido durante a defesa dos
réus, gargalhado muitas vezes, feito galhofas das pessoas que julgavam e de
suas agremiações partidárias. Estou falando do comportamento de juízes, não de
advogados para os quais a investidura do cargo lhe permitem a teatralização.
As
pessoas que não foram envenenadas por décadas por uma mídia venal ficarão
surpresas de como foi possível um político com uma história de 45 anos de luta
ser condenado por suas qualidades e as de seu partido.
Elas
se surpreenderão com argumentos como o da ministra Rosa Weber “Não tenho prova
cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”
ou com afirmações como as do ministro Gilmar Mendes: “Não se torna
necessário que existam crimes concretos cometidos”,
ao justificar porque condenou 11 réus por formação de quadrilha! Aquelas com um
mínimo de bom senso perceberão o risco que tais argumentos representam para o
Estado de Direito.
Certamente
as pessoas se horrorizarão com o fato de Doutrina substituir provas para
condenar uma pessoa a quase 11 anos em regime fechado. E ficarão ainda mais
indignadas quando descobrirem que o teórico da Doutrina nega o uso que o a
Suprema Corte fez de seus argumentos para condenação. Enquanto isso uma pessoa
(até que se PROVE O CONTRÁRIO) foi condenada a cumprir 11 anos de prisão SEM
NENHUMA PROVA CONTRA ELA.
Condenado sem domínio nem fato
Por: PAULO MOREIRA
LEITE, em sua coluna na Época
12/11/2012
O futuro dirá o que aconteceu hoje, no Supremo Tribunal
Federal.
O primeiro cidadão brasileiro condenado por corrupção
ativa num processo de repercussão nacional se chama José Dirceu de Oliveira.
Foi líder estudantil em 1968, combateu a ditadura militar,
teve um papel importante na organização da campanha pelas diretas-já e foi um
dos construtores do PT, partido que em 2010 conseguiu um terceiro mandato
consecutivo para governar o país.
Pela decisão, irá cumprir um sexto da pena em regime
fechado, em cela de presos comuns.
O sigilo fiscal e bancário de Dirceu foi quebrado várias
vezes. Nada se encontrou de irregular, nem de suspeito.
Ficará numa cela em companhia de assaltantes, ladrões,
traficantes de drogas.
Vamos raciocinar como cidadãos. Ninguém pode fazer o que
quer só porque tem uma boa biografia.
Para entender o que aconteceu, vamos ouvir o que diz Claus
Roxin, um dos criadores da teoria do domínio do fato – aquela que foi empregada
pelo STF para condenar Dirceu. A Folha publicou, ontem, uma entrevista de
Cristina Grillo e Denise Menchen
com Roxin.
Os trechos mais importantes você pode ler aqui:
É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de
um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição
hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de
uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso
seria um mau uso.
O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica
em co-responsabilidade?
A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma
circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa
construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a
considero correta. No caso do Fujimori (Alberto Fujimori, presidente do Peru,
condenado por tortura e execução de presos políticos ) por exemplo, foi
importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios
realizados.
A opinião pública pede punições severas no mensalão. A
pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?
Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber
que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas
suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem
que ficar ao lado da opinião pública.
Acho que não é preciso dizer muito mais, concorda?
Não há, no inquérito da Polícia Federal, nenhuma prova contra
Dirceu. Roberto Jefferson acusou Dirceu na CPI, na entrevista para a Folha, na
Comissão de Ética. Mas além de dizer que era o chefe, que comandava tudo, o que
mais ele contou? Nenhum fato. Chato né?
Como disse Roxin, não basta. A “pessoa que ocupa a posição
no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma
ordem.”
Chegaram a dizer – na base da conversa, do diz-que-diz —
que Marcos Valério teria ajuda dele para levantar a intervenção num banco e
assim ganhar milhões de reais. Seria a ordem? Falso. Valério foi 17 vezes ao
Banco Central para tentar fazer o negócio e voltou de mãos vazias. Era assim
“controle” de que fala Claus Roxin?
Também disseram que Dirceu mandou Valério para Portugal
para negociar a venda da Telemig com a Portugal Telecom. Seria a “prova?”
O múltiplo Valério estava a serviço de Daniel Dantas, que
sequer tornou-se réu no inquérito 470.
Repito: o passado não deve livrar a cara de ninguém. Todos
tem deveres e obrigações com a lei, que deve ser igual para todos.
Acho que o procurador Roberto Gurgel tinha a obrigação de
procurar provas e indícios contra cada um dos réus e assim apresentar sua
denúncia. É este o seu dever. Acusar – as vezes exageradamente – para não
descartar nenhuma possibilidade de crime e de erro.
Mas o que se vê, agora, é outra coisa.
A teoria do domínio do fato foi invocada quando se viu que
não era possível encontrar provas contra determinados réus. Sem ela, o pessoal
iria fazer a defesa na tribuna do Supremo e correr para o abraço.
Com a noção de domínio do fato, a situação se modificou.
Abriu-se uma chance para a acusação provar seu ponto.
O problema: cadê a ordem de Dirceu? Quando ele a deu? Para
quem?
Temos, uma denúncia sem nome, sem horário, sem data. Pode?
Provou-se o que se queria provar, desde o início. A tese
de que os deputados foram comprados, subornados, alugados, para dar maioria ao
governo no Congresso.
É como se, em Brasília, não houvesse acordo político, nem
aliança – que sempre envolve partidos diferentes e até opostos.
Nessa visão, procura-se criminalizar a política,
apresenta-la como atividade de quadrilhas e de bandidos.
É inacreditável.
Temos os governos mais populares da história e nossos
ministros querem nos convencer de que tudo não passou de um caso de corrupção.
Chegam a sugerir que a suposta compra de votos representa
um desvio na vontade do eleitor.
Precisam combinar com os russos – isto é, os eleitores,
que não param de dizer que aprovam o governo.
Ninguém precisa se fazer de bobo, aqui. Dirceu era o alvo
político.
O resultado do julgamento seria um com sua condenação.
Seria outro, com sua absolvição.
Só não vale, no futuro, dizer que essa decisão se baseou
no clamor público. Este argumento é ruim, lembra o mestre alemão, mas não se
aplica no caso.
Tivemos um clamor publicado, em editoriais e artigos de
boa parte da imprensa. Mas o público ignorou o espetáculo, solenemente.
Não tivemos nem passeatinha na Praça dos 3 Poderes – e
olhe que não faltaram ensaios e sugestões, no início do julgamento…
Mesmo o esforço para combinar as primeiras condenações com
as eleições não trouxe maiores efeitos.
Em sua infinita e muitas vezes incompreendida sabedoria, o
eleitor aprendeu a separar uma coisa da outra.
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