O DIA EM QUE ISRAEL INVADIU A JORDÂNIA

José Antônio de Ávila Sacramento

No mês de dezembro de 2009 eu estava sintonizado na Rede Minas de TV, emissora presidida pelo são-joanense José Eduardo Gonçalves. Chamou minha atenção a exibição do documentário “A Hora do Primeiro Tiro”, de Gustavo Jardim. Era uma história que começava mais ou menos assim:“Em junho de 1967, Israel declara guerra e anuncia a invasão da Jordânia com dezenas de tanques e milhares de soldados. Assustados, os habitantes de uma pequena cidade do Vale do Jequitinhonha mobilizam-se para preparar a defesa...”.
Um homem simples, conhecido por “Seu Nenguinha”, que pareceu nunca ter saído de sua cidadezinha às margens do Rio Jequitinhonha, surgia na tela; do alto de sua ancianidade, declarou- se convictamente ser uma das testemunhas do episódio da abertura do curta- metragem. Mas como seria possível que sem sair de Minas Gerais ele a tudo tenha presenciado? Sabemos que a invasão da Jordânia por Israel gerou um conflito mais conhecido como a “Guerra dos Seis Dias” (mas que parece durar até hoje), e que tudo aconteceu lá pelas bandas do chamado Oriente Médio, nas Colinas de Golan, Deserto do Sinai, Canal de Suez e envolveu a figura do Rei Hussein e outros mais.
Como fato complicador, quase na fronteira do Estado de Minas Gerais com o da Bahia, existia (e ainda existe!) uma cidade cujo topônimo é Jordânia, onde ocupava o Poder Executivo Municipal um dos poucos prefeitos que àquela época ainda não se alinhavam com a política do governador Israel Pinheiro.
Um morador ouviu a notícia, interpretou-a ao seu modo e saiu em desandada correria ao encontro do prefeito para dar-lhe a notícia em primeira mão; no gabinete de Sua Excelência encontrou mais meia-dúzia de cidadãos, todos quase que sem fôlegos e também prontos para anunciar-lhe o fato. Recuperadas as respirações, finalmente o prefeito foi avisado.
O alcaide, então, pediu ao seu ajudante de ordens para ligar e tentar sintonizar o velho rádio de válvulas; passado um tempinho, entre chiados e assovios, o rádio repetiu a maldita notícia da “invasão” da Jordânia. O silêncio foi geral até que o prefeito quebrou a taciturnidade do momento rogando mais de mil pragas contra o governador; logo desferiu violento murro sobre a mesa e gritou: “avisa já pro delegado e pros praças; pode deixar aquele f.d.p. vir que nós vamos encarar ele”.
Entrincheirados sob seu comando, todos os seus voluntários deveriam esperar pelo terrível ataque das forças militares do governador.
O povo, influenciado pelo inflamado discurso do prefeito, ficou como que endoidecido contra o Dr. Israel Pinheiro; comentava-se à boca miúda que o governador não gostou nem um pouquinho de ter perdido a eleição no município e por isso, em represália, mandaria um exército invadir e acabar com a cidade e o seu povo. No documentário exibido pela TV impressionou-me o singelo depoimento de dona Juliana, uma velhinha que disse estar junto com algumas quitandeiras fazendo biscoito; uma delas, ao saber da notícia da invasão, desesperou-se tanto que, de repente, ao ouvir o barulho de um avião, “tocou lá pra dentro do forno de lenha e morreu torrada”. Para aquela senhora, era preferível morrer assada a perecer nas mãos das malditas tropas de Israel.
Estrategicamente e à surdina, alguns emissários da pequena Jordânia (cidade que enquanto distrito tivera o enigmático nome de “Palestina”) foram enviados às cidades de Almenara e Governador Valadares com a finalidade de cooptarem mais voluntários e armas, tudo em defesa da pequenina cidade.
Em Valadares, o prefeito estranhou toda aquela movimentação e sentiu-se encurralado com o pedido de socorro que lhe fora formulado; pediu ao emissário um tempinho para estudar mais detidamente o complicado caso. Foi a sorte!
O prefeito valadarense, com ares de um grande coronel napoleônico do Jequitinhonha, informou ao emissário de Jordânia que ficou sabendo que aquilo tudo era um mero equívoco, pois a invasão irradiada realmente acontecia, mas era bem ao longe dali, lá numa tal de “Terra Santa”. Assim, mandou o emissário regressar e dizer ao colega jordaniano que nenhum ataque de Israel (Pinheiro) iria acontecer naqueles confins do nordeste mineiro.
Comentam que foi dureza convencer a resistência e a jagunçada entrincheirada de que tudo se tratava de um alarme falso; todos já estavam achando que Israel Pinheiro era uma reencarnação do demônio. Consta que depois de desfeita a confusão, um helicóptero teve de ser utilizado para jogar panfletos sobre a pequena cidade de Jordânia, informando a população sobre o mal-entendido (claro que o aparelho teve de voar a uma altura segura, para evitar os tiros da população!). Havia até mesmo notícias de que muitos dos valentes jordanianos não se convenceram prontamente com a tal campanha panfletária, alegando tratar-se de “mentiras de guerra” e continuaram entrincheirados durante semanas; alguns, mais teimosos e ávidos pelo sangue das tropas de Israel, ficaram na tocaia durantes meses.
Tadeu Martins, um escritor cordelista e amigo do violeiro e cantador são- joanense Chico Lobo, escreveu num de seus versos que depois do alarme falso o valente prefeito de Jordânia ainda estufava o peito e gabava-se publicamente de que “se o dr. Israel viesse mesmo, ele ia voltar desmoralizado, porque nós arrasava o exército dele.”.
Este é mais um dos muitos casos verdadeiros engraçados, que povoam o universo político e social da boa terra mineira. É, também, uma espécie de alegoria que apresenta-nos a real dimensão do que os erros de interpretação e a ignorância podem gerar, principalmente nos ditos “sertões de Minas” daquela época, lugares onde a distância dos centros maiores era difícil de ser vencida e o acesso aos meios de comunicação era bastante restrito.